Os Mercados • 3 MIN DE LEITURA

A evolução gelada: da ostentação ao negócio

O que era um privilégio dos nobres romanos – o gelo -, hoje se apresenta de forma democrática, o cubo, que está disponível para todos. A comercialização deste elemento mágico tem uma longa história e nunca foi tão lucrativa.

O comércio de gelo é difícil de lidar, caracterizado pela sua natureza escorregadia. O congelamento de tudo é fundamental em nossa rotina atual, sustentando setores como a alimentação, a saúde e o comércio. Ainda assim, tratamos o gelo de forma indiscriminada.

Entretanto, nem sempre foi assim. Há milhares de anos, na Mesopotâmia, o gelo era trazido das montanhas para refrigerar bebidas de elite. Durante o inverno chinês antigo, era comum armazenar gelo em cavernas para prolongar a vida útil de produtos frescos. Os persas, por outro lado, criaram técnicas para produzi-lo, congelando a água em piscinas rasas nas noites frias do deserto para fazer uma bebida com base de frutas chamada sharbat. Em Roma, gelo e neve eram usados nos banhos públicos, mas o conhecimento sobre armazenamento se perdeu com a queda do Império, sendo reintroduzido na Europa no Renascimento. Em cidades como Florença, Paris e Londres, servir bebidas geladas num dia de calor era um símbolo de luxo.

Contudo, foram os americanos que transformaram esse gosto pelo gelo em um negócio sólido. No século XIX, Frederick Tudor, o “Rei do Gelo de Boston”, inovou ao colher gelo de alta qualidade dos lagos de Massachusetts, despachando para o sul dos EUA, Caribe e até Calcutá.

Apesar de enfrentar dificuldades em seu negócio, Tudor era um vendedor de primeira linha (ele era chamado de o primeiro milionário dos Estados Unidos). Ele seduzia seus clientes oferecendo o primeiro pedido de gelo de graça; uma vez que experimentavam uma bebida gelada em um dia quente, ficavam cativados. “Num país em que certas estações do ano são insuportáveis, o gelo é o mais cobiçado entre os luxos,” escreveu Tudor.  

Com a popularização da refrigeração artificial a partir dos anos 1870, houve um debate sobre a essência do gelo. Muitas pessoas, incluindo a Rainha Victoria, preferem o gelo puro de um lago ao gelo industrializado.

Hoje em dia, todos esses obstáculos já foram superados, graças a avanços tecnológicos, que tratamos o gelo como algo comum. Apesar de existirem geladeiras e máquinas de fazer gelo em muitos lares, a demanda por gelo ainda é grande. Em 2022, o mercado totalizou impressionantes US$ 5,22 bilhões, um aumento anual de mais de 5%. A maior empresa de gelo da Inglaterra The Ice Co., fabrica cinco bilhões de cubos ao ano.

Nos Estados Unidos, o entusiasmo pelo gelo permanece estável após o empreendedorismo de Tudor. O grande escritor Mark Twain chegou a dizer: “A única característica que me permite identificar o caráter americano é o gosto por água gelada.” Em 2022, a indústria do gelo dos Estados Unidos valia US$ 1,1 bilhão.

Há até um mercado de gelo de luxo: em bares sofisticados de Manhattan e LA, a qualidade do gelo é quase tão importante quanto as marcas dos destilados. Com o aumento do aquecimento global e aspirações cada vez mais elevadas, esse sentimento tende a aumentar.

Dessa forma, chegamos à essência do que os fabricantes de gelo realmente comercializam. O gelo não é apenas água congelada: sua trajetória rica e sofisticada ainda transmite sofisticação e elegância. Apesar de seu passado trabalhoso, ele é, sem esforço, “cool”.