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Um novo marco da securitização no Brasil

No dia 15 de março de 2022 foi promulgada a Medida Provisória n° 1.103/22, considerada o Novo Marco Legal da Securitização no Brasil. A legislação institui um conceito geral sobre a securitização de ativos financeiros no país, cria novos instrumentos financeiros e altera aspectos relevantes em normas anteriores sobre a administração de recebíveis. O ato normativo está em vigor e deve ser convertido em lei até 15 de maio de 2022. Confira algumas novidades sobre o tema a seguir.

Medida Provisória N° 1.103/22

A estrutura da Medida Provisória (MP) n° 1.103/22 organiza-se em três grandes temáticas. Primeiro, cria a figura da Letra de Risco de Seguro – LRS por Sociedade Seguradora de Propósito Específico – SSPE. Segundo, dita novas regras aplicáveis à securitização de direitos creditórios e recebíveis. Terceiro, flexibiliza requisitos para a prestação de serviços de valores mobiliários.

A novidade inicial é a criação da LRS como um novo ativo financeiro, vinculada a riscos de seguros e resseguros. Basicamente, a LRS é um título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro. A emissão desse instrumento é exclusiva das sociedades seguradoras SSPE, que têm por finalidade realizar operações de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar e resseguros.

Em seguida, em relação à securitização de recebíveis e direitos creditórios, a jurisdição inova na definição de um conceito legal de aplicação geral sobre o tema: “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam” (art. 17, parágrafo único).

Este conceito será importante para direcionar a aplicação de regras da securitização no mercado financeiro e resolver amplas discussões jurídicas. Além disso, a expressão da norma inclui demais títulos e valores mobiliários, cujo pagamento esteja vinculado a carteira de direitos creditórios, como ativos de securitização – ao exemplo das debêntures e notas comerciais escriturais.

Sobre recebíveis, em especial, a MP apresenta duas grandes novidades: a criação do Certificado de Recebíveis (CR) e a democratização do regime fiduciário. O CR será um título capaz de instrumentalizar a securitização de ativos de qualquer natureza, criando espaço para novas estruturas de financiamento em todos os setores da economia.

No que concerne ao regime fiduciário, o nova regulamentação permite a criação de patrimônios separados da securitizadora para qualquer tipo de ativo financeiro e lastro, antes restritas aos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Com isso, abre-se espaço para a divisão patrimonial da securitizadora em operações específicas relativas aos instrumentos financeiros e do patrimônio comum, impedindo o contágio das operações.

Por fim, a MP flexibiliza o requisito para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários, antes restritas às instituições financeiras, e agora incluindo-se bolsas de valores e outras entidades do mercado de capitais. Ante o exposto, a legislação também inclui a necessidade de aprovação prévia da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o exercício dos ofícios.

Inovação Legislativa

Sobre o processo de administração de recebíveis e ativos securitizados, a MP 1.103/22 apresenta um conjunto de inovações em quesito normativo que merecem destaque e são listadas a baixo:

  • Amplia opções de direitos creditórios que lastreiam operações de securitização: o artigo 17 da MP amplia a possibilidade de operações de securitização de qualquer tipo de direito creditório por meio da emissão de Certificados de Recebíveis (CR) ou demais ativos  representativos de operações de securitização. Dessa forma, FIDCs poderão emitir CR lastreados em direitos creditórios de educação, saúde, saneamento, entre outras opções.
  • Emissão de classes e séries: no artigo 21, incisos X a XIII, inclui-se a possibilidade de emissão de recebíveis em diferentes classes ou séries, aditamentos posteriores para a emissão de novas classes e séries e requisitos de complementação de lastro.
  • Recomposição de lastro: com base no item X do artigo 21 e no § 2º do artigo 26, a legislação enfatiza que, na insuficiência de patrimônio separado, a companhia securitizadora poderá promover a sua recomposição, mediante aditivo ao termo de securitização ou instrumento equivalente, no qual serão incluídos outros direitos creditórios. Esta possiblidade de recomposição de lastro é especialmente importante no mercado imobiliário, podendo ser eficaz diante da hipótese de distrato contratual no processo de compra e venda de imóveis.
  • Revolvência: o destaque sobre o tema é citado no artigo XIII da MP, que flexibiliza e amplia o mecanismo de revolvência. A matéria legal indica a possibilidade de substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão – anteriormente exclusivos aos CRA. Desse modo, permite-se tal expediente em recebíveis de qualquer natureza econômica.
  • “Ramp-up” ou aquisição faseada de lastro através de chamadas de capital: o § 6º do artigo 21 da MP permite que as securitizadoras celebrem compromissos de subscrição de integralização de certificados de recebíveis com os investidores, e realize chamadas de capital  na medida em que recursos se tornem necessários para a aquisição dos direitos creditórios.
  • Dação em pagamento como dispositivo de resolução de operações: o art. 19 da MP expressa a possibilidade a dação em pagamento dos bens e direitos integrantes do patrimônio separado das securitizadoras aos investidores titulares dos Certificados de Recebíveis, criando maior segurança jurídica às circunstâncias de liquidação do patrimônio separado.
  • Títulos de securitização com cláusula de variação cambial: o artigo 21, inciso VIII da MP cria a possibilidade emissão de certificado de recebíveis com cláusula de correção pela variação cambial. Isso pode ocorrer desde que seja integralmente vinculado a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda e o título seja emitido em favor de investidor residente ou domiciliado no exterior. Este dispositivo já era previsto no caso dos CRA e agora se estendem aos demais tipos de recebíveis.
  • Distribuição de títulos de securitização no exterior: o art. 23 da MP cria a possibilidade de distribuição dos certificados de recebíveis no exterior. Tal hipótese pode ser executada em entidade de registro e de liquidação financeira autorizada, situada no país de distribuição, e supervisionada por autoridade estrangeira com a qual a CVM tenha firmado acordo de cooperação mútua que permita intercâmbio de informações sobre as operações.
  • Divisão de competências entre securitizadora e agente fiduciário.  A MP 1.103/22, no art. 26, §1º a 6º, expressa a centralidade do papel e confere poderes e deveres às securitizadoras na administração do patrimônio separado e defesa dos interesses dos investidores. De modo igual, esclarece no art. 28 o caráter essencialmente fiscalizatório de ofício do agente fiduciário e seu dever de agir na defesa dos interesses dos investidores na hipótese em que a companhia securitizadora se demonstrar inerte.

Histórico da securitização no Brasil

Anteriormente à MP 1.103/22, a legislação sobre securitização no país era fragmentada, com diversos dispositivos legais que teciam assunto à matéria. Por exemplo, enquanto havia leis específicas sobre determinados títulos de recebíveis, como a Lei Federal n° 9.514/97 do Certificado de Recebível Imobiliário (CRI), e a Lei Federal n° 11.076/04 do Certificado de Recebível do Agronegócio (CRA), outros instrumentos tinham interpretação subjetiva e indutiva, amparados na Resolução n° 2.686/00 do Conselho Monetário Nacional que estabelece condições para a cessão de créditos às securitizadoras.

Em função de o mercado de securitização no Brasil possuir diferentes organizações e players competidores, com diferentes necessidades e estruturas jurídicas e patrimoniais, foi necessária a atualização da legislação no setor. Para saber mais sobre um tema, consulte especialistas no assunto.

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