O mercado editorial de moda se reinventa e o seu valor está no tempo. Quem ajuda a escrever as páginas dessa indústria no Brasil é a icônica jornalista Patrícia Carta, publisher local da Harper’s Bazaar, a primeira revista de moda do mundo.
A Harper´s Bazaar inspira criativos e fashionistas há mais de 150 anos e é referência no mercado editorial, não só pelo que é, mas pelo que construiu ao longo do tempo. Fundada em 1867 em Nova York, NY, a revista começou como um folhetim semanal que tinha o papel de colocar a mulher no centro da cultura do seu tempo. Em 1901 passou a ser publicada mensalmente, e em 1913 foi comprada pelo poderoso conglomerado de mídias norte-americano Hearst, detentor do San Francisco Chronicle, entre outros títulos impressos e audiovisuais. Desde então, o poderoso grupo passou a impulsionar a Bazaar para o mundo e não parou mais. Já no início, trouxe nomes de peso para o comando da revista, como a icônica editora Carmel Snow, que em 1932 deixou seu posto de editora de moda da Vogue América, título que até hoje pertence à Condé Nast, para ser editora de moda na Bazaar. Tão logo chegou, Snow determinou o futuro do título – em suas palavras – “a Harper´s Bazaar seria uma revista para mulheres bem-vestidas, com mentes tão bem-vestidas quanto”. No ano seguinte, ela tornou-se editora chefe e além de um olhar inovador para a área de design gráfico, contratou uma das editoras de moda mais carismáticas do mundo, Diana Vreeland, mais conhecida pela frase “the eye has to travel”, que em uma tradução livre quer dizer: o olhar precisa viajar.
Desde então, o primeiro título de moda do mundo segue firme seu propósito focando em boa curadoria de estilo e encantamento. Está presente em 27 países e no Brasil, chegou em 2011 pelas mãos de uma das editoras mais autenticas da moda contemporânea, Patrícia Carta. Por meio de sua editora Carta Editorial, fundada pelo seu pai, Luis Carta, Patrícia construiu uma carreira sólida na moda e segue os passos de Snow e Vreeland, colocando moda ao lado de cultura, arte e conhecimento. Em conversa com a NEXT, a publisher fala sobre sua trajetória no meio, sobre a reinvenção do mercado editorial e sobre sua visão de mundo.
Daniela Pizetta: Em um mundo cada vez mais tecnológico, como mantém a revista impressa relevante e interessante?
Patrícia Carta: Hoje em dia as revistas impressas são bens de luxo. Acredito que além de informação e conteúdo sob uma curadoria qualificada, as revistas existem para contemplação, para acalmar nosso olhar, e o mundo precisa disso. Imprimir é justamente o nosso diferencial, mas mais que tudo, nosso título tem uma longa história. Faz 12 anos que temos a Bazaar no Brasil, e apesar de bem integrada às plataformas digitais, a revista ainda é o centro de tudo. Ou seja, o papel tem essa função de unir todas as plataformas, sendo ele a parte mais fiel a qualquer publicação de luxo voltada à moda. O papel é muito importante, embora as pessoas digam que não. O que houve foi uma mudança na maneira de comunicar nosso título, porque, na verdade, é só uma forma de comunicação que muda, a essência já existe. Nosso website aprofunda o que a revista mostra e vice-versa. O Instagram, além de trazer notícias atuais e inspiração, leva o conteúdo da revista ainda mais longe e ajuda a divulgar a marca. E as experiências analógicas e sensoriais que criamos, como eventos e conferencias, garantem ao veículo ainda maior alcance, além de expandir e fortalecer nossa comunidade. É um trabalho árduo gerenciar todas estas plataformas, mas, é o que os novos tempos pedem.
DP: Vivemos na era da colaboração, como a Bazaar transita neste formato de criação?
PC: Partindo do ponto de vista de que colaboração é quando as duas partes se mantem relevantes em um projeto, ou seja, é bom para todos, o primeiro passo para uma collab bem-sucedida é saber claramente quais são as forças que estão se unindo e para qual objetivo. Do nosso lado, defendemos a importância do impresso e buscamos equilíbrio com novas mídias, como influenciadores, por exemplo, (que são também veículos de comunicação). Desde que surgiram, eles têm uma ótima relação com títulos impressos como o Bazaar. Enquanto nós validamos ainda mais o influenciador no mercado, ele por sua vez, traz velocidade e alcance. Então, é um “casamento”, da tradição com a inovação.
DP: Colaborar é também uma forma sustentável de operar, do ponto de vista financeiro?
PC: Sim, funciona como uma parceria financeira também. Quando os dois lados se sustentam, crescendo e contribuindo um com o outro, chegam muitas oportunidades. De forma geral, um título impresso gera receita por meio da venda de mídia tradicional, como anúncios. Já estas parcerias são conteúdos publicitários criados entre o título impresso, o influenciador e uma marca que tem sinergia com ambos, e os contratos são feitos entre a Bazaar e estas marcas, nunca com o influenciador. Ou seja, estas marcas bancam a parceria e em troca recebem exposição nas duas mídias.
DP: Qual é o seu papel na revista?
PC: Na Bazaar temos uma equipe enxuta e operamos remotamente. A revista é operada pela Carta Editorial, que foi fundada pelo meu pai, o jornalista Luis Carta (1939-1994), e que passou para minha direção depois da morte prematura do meu irmão, Andrea Carta (1959-2003). A empresa conta hoje com uma área administrativa, uma área comercial e a área que é o “coração” da revista: a editorial. Atuo como diretora geral e Publisher e acabo me envolvendo em tudo. Eu acho que essa coisa muito verticalizada, hierárquica, só existe em grandes empresas e não tem como isso acontecer conosco. Todo mundo na revista tem a mesma importância e todo mundo participa de tudo. Eu gosto de trabalhar em equipe. Apesar de supervisionar tudo, é muito difícil eu tomar uma decisão sozinha, sabe? Vem uma ideia e eu preciso falar com um, com outro, eu quero ouvir todo mundo.

DP: A Carta Editorial está há quase cinco décadas no mercado de publicações de luxo no país, e contabiliza histórias de sucesso. Você cresceu cercada por referências que moldaram seu olhar, como foi sua construção profissional?
PC: Meu primeiro trabalho na vida foi na agência de publicidade DPZ, como estagiária na área de criação, se é que isso interessa para alguém (risos), e foi em 1980 que comecei a trabalhar com meu pai na Carta, que desde sempre foi uma editora boutique. Na época, nasceu para trazer os títulos da Condé Nast para o Brasil, entre eles a Vogue, que veio e ficou sob nossa direção até 2010. Eu comecei lá como assistente da editora Regina Guerreiro, que dispensa apresentações, uma jornalista muito competente, seríssima, e foi com ela que aprendi toda essa parte imagética de uma revista de moda: como criar uma narrativa, ou muitas vezes, como criar um editorial sem narrativa alguma. Passei também pelo departamento comercial da revista e em 1992, tive outra experiência fora da Editora, ao ser chamada para ser editora de moda da Folha de São Paulo, até voltar de vez para a Carta, e aqui estou.
DP: Você mencionou a Vogue como sendo um dos títulos operados pela Carta Editorial no seu início da empresa. Como foi a transição da revista que era gerida pela Condé Nast, para a Bazaar, da Hearts?
PC: Era 2010. Na época, o Brasil despertava o interesse de muitas empresas internacionais, com isso, a Condé Nast que estava conosco, optou por uma expansão mais agressiva por aqui. Diferente do que queríamos como negócio, o contrato foi encerrado. A transição para a Bazaar foi imediata. Antes, recebi propostas de diversos títulos ao mesmo tempo, e decidimos pela Harper’s Bazaar pela sua relevância e alinhamento conceitual. A primeira edição saiu em Setembro de 2010 e teve a Gisele na capa. O tempo foi consolidando a marca no Brasil e logo em seguida criamos a Bazaar Kids, a Bazaar Noiva e a Bazaar Arte. Hoje, também temos a Bazaar Man. Temos autonomia criativa, o que garante que seu conteúdo seja bem alinhado ao nosso público.
DP: E qual é o papel fundamental de uma revista de moda hoje?
PC: Acredito que as revistas de moda serão os impressos mais longevos do mercado editorial. Elas proporcionam um momento de lazer. Ao folhear uma revista nos damos um tempo… sem a interferência do telefone. Você olha um editorial de moda, não tanto para se informar ou saber que roupa você vai comprar amanhã, mas pelo prazer de tudo que está ali: da fotografia que é boa, da direção de arte, da narrativa que tem naquela história, do “perfume” de coisas que estão no ar” e que falam diretamente com você. Quando me perguntam: ah!, mas para quem é a revista? Bom, a revista é para quem quiser ler! Costumo dizer que nosso público é feminino, mas incluímos todos os gêneros com a essência e o DNA da Bazaar. Acho que a linguagem precisa ser acessível e o produto tem que chegar a todo mundo. O nosso aplicativo é gratuito, por exemplo. Então, estudantes de moda ou interessados nesse mundo, independente do seu poder de consumo, podem ter acesso.
DP: Recentemente a Bazaar Brasil ganhou novo projeto gráfico. Como foi o processo da escolha de um diretor de arte e o que mudou?
PC: Um dos grandes diferenciais da Bazaar sempre foram seus projetos gráficos pioneiros. O título é referência mundial nas artes gráficas e na fotografia de moda desde seu lançamento. Mas foi em 1934 que a revista fez uma revolução, ao contratar Alexey Brodovitch (1898-1971). O designer e fotógrafo inspirou o design de revistas como um todo por meio do trabalho que fez na Bazaar. Sob seu olhar, também guiou alguns dos maiores artistas visuais do século XX (incluindo fotógrafos icônicos como Irving Penn e Richard Avedon). Um segundo momento decisivo na história da revista, foi quando a brasileira Bea Feitler entrou para o time de design e criou algumas das imagens mais importantes da revista. Aqui no Brasil, olhamos para tudo isso, mas também para a Bazaar Itália e a Bazaar França, que foram lançadas recentemente e apresentaram projetos bárbaros. Juntamos todas as pontas e em uma conversa com o diretor de arte brasileiro Kleber Matheus, achei que ele traria o que estávamos em busca!
DP: Quais as principais características do novo projeto?
PC: É muito limpo. Cheio de respiros. Diria que o novo projeto não é “nervoso”, sabe? Porque acho que nos dias de hoje, não faz sentido nenhum você ter uma revista “nervosa”. Não é nela que você vai encontrar essa eletricidade toda que está no ar. Até mesmo as nossas capas estão mais limpas, sem chamadas… porque ninguém aguenta mais tanta informação, além daquela que você já consome no celular. A meu ver, um título impresso moderno precisa ser forte na imagem e na mensagem. Enfim, precisam ser tranquilos e bonitos. Deixemos a eletricidade para a internet.